Quartos nada escuros


Regressei este ano ao Lago Balaton, na Hungria, uma enorme massa de água que os romanos tinham por bem nomear Lacus Pelso e o tedesco idioma ainda hoje chama Plattensee. Fui convidado para um maravilhoso passeio de barco à vela, numa embarcação de nome Sonho ("Alöm", em húngaro). Acabou por não dar mau resultado ter começado a ingerir bebidas alcoólicas tão cedo. Logo pelas onze da manhã começaram a oferecer-me copinhos de vodka com cerveja fria a acompanhar. Perguntei-me a mim próprio se aquele seria o habitual ritual preparativo para os passeios de barco no maior lago da Europa Central. Aceitei tudo, como é evidente. Nestas coisas de copos com estrangeiros um gajo tem de perceber que está sempre em parte a representar o seu país. Está sempre em jogo o prestígio de uma nação. A tarde haveria de reservar ainda uns bons espumantes acompanhados dessa tão simples e deliciosa invenção chamada uísque-cola. Banhámo-nos, sim. Banhámo-nos muito no lago. E eu vim para casa com um escaldão.
Aqui na Hungria, como no mundo inteiro, o Verão cobra sempre a sua factura de banhistas. O Verão de águas várias, o Verão de praias, de lagos, de rios reluzentes, logra sempre matar a sua fome de corpos humanos, que é só para lembrar a gente como nada na vida é inteiramente perfeito, tal como nada é de igual modo absolutamente trágico e sombrio. Em Portugal morre sempre um punhado de pessoas nas primeiras semanas de Estio intenso. No Balaton, sobrevêm repentinas tempestades e há malta que não consegue mais alcançar margem, que se cansa, que desmaia com a tóxica espuma que se forma à superfície. A combinação de recreio estival com morte por afogamento é sem dúvida uma curiosa e particularmente cruel invenção da natureza. Fica portanto aqui o aviso aos corpos. É essencial não facilitar quando se trata de mergulhos e braçadas em lugares aprazíveis. O Verão às vezes não perdoa.

Publicada por João Miguel Henriques

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