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Ontem senti dor,
não conhecia o seu rosto sanguíneo
lábios duros de metal,
nítida ausência de horizontes.
A dor não tem porvir
é um focinho de cavalo que bloqueia
os poderosos jarretes,
mas ontem fui ao fundo,
os meus lábios fecharam-se
e o pavor entrou-me no peito
com um silvo profundo
e as fontes deixaram de florir,
a sua água doce
era apenas um mar de dor
em que eu naufragava dormindo,
mas mesmo então temia
os anjos eternos.
Mas se são tão doces e constantes
porque me aterroriza a imobilidade?



Alda Merini
A Terra Santa
Livros Cotovia, 2004

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