Que grande mistério este trabalho,
esta vida de nenhuma agrura:
espiar qualquer coisa da música
e fazê-la passar por coisa sua.

E intrometer por entre as linhas
um scherzo de outrem bem alegre,
jurando que na luz das pradarias
é teu pobre coração que geme.

Roubar qualquer coisa aos pinheiros
da negra floresta taciturna,
enquanto ergue os seus nevoeiros
a toda a volta a cortina de bruma.

E ir procurar - impudica -,
por onde calha e me aventuro,
alguns pedaços da vida oblíqua
e, ao silêncio da noite, tudo.

 
Anna Akhmatova
[Verão de 1959, Komarovo]








POEMA EM FORMA DE DELTA


Há rios que são navegáveis e navegam.
É desses que eu gosto.

Jorge Sousa Braga






ANTECIPAÇÃO

Por ti desço até ao fundo da noite,
desenraízo o tempo, culmino numa estrela,
vivo na imaginação de todas as aves
e aacendo o futuro, num gesto antecipado.

(Albano Martins)




M’illumino d’immenso
 

 
Giuseppe Ungaretti


Debaixo do Vulcão

«que beleza se poderá comparar à de uma cantina, de manhã, cedinho? (…) pensa em todos os terríveis estabelecimentos, em frente dos quais as pessoas desesperam, impacientes por que se levantem os taipais! Nem as portas do céu, que para mim se abrissem de par em par, me proporcionariam uma alegria tão celestial, tão complexa e tão desesperada como a porta ondulada que se ergue com estrondo, como as gelosias que sobem, admitindo essas almas que vibram com as bebidas, levadas aos lábios com mãos vacilantes. Todo o mistério, toda a esperança, todo o desapontamento, sim, todas as misérias aqui se encontram, para lá dessas portas que se balançam num vaivém».


Malcolm Lowry



DE NOVO O SILÊNCIO

O silêncio é como se fosse água. Daquela água pura
da montanha que se bebe directamente pelo coração.

Jorge Sousa Braga



RESPOSTA



Pergunta-me

faz-me perguntas

pergunta-me que sonho tive no texto da noite

pergunta-me se sofro porque tudo abrasas.

 
Maria Gabriela Llansol


 

leio que o amor é tão lento em cada instante que o instante sufoca

herberto helder








COM A TUA LETRA

Porque eu amo-te, quer dizer, estou atento
às coisas regulares e irregulares do mundo.
Ou também: eu envio o amor
sob a forma de muitos olhos e ouvidos
a explorar, a conhecer o mundo.


Porque eu amo-te, isto é, eu dou cabo
da escuridão do mundo.
Porque tudo se escreve com a tua letra.


Fernando Assis Pacheco




Do not go gentle into that good night,
Old age should burn and rave at close of day;
Rage, rage against the dying of the light.

Though wise men at their end know dark is right,
Because their words had forked no lightning they
Do not go gentle into that good night.

Good men, the last wave by, crying how bright
Their frail deeds might have danced in a green bay,
Rage, rage against the dying of the light.

Wild men who caught and sang the sun in flight,
And learn, too late, they grieved it on its way,
Do not go gentle into that good night.

Grave men, near death, who see with blinding sight
Blind eyes could blaze like meteors and be gay,
Rage, rage against the dying of the light.

And you, my father, there on the sad height,
Curse, bless me now with your fierce tears, I pray.
Do not go gentle into that good night.
Rage, rage against the dying of the light.


 Dylan Thomas



XLIII

How do I love thee? Let me count the ways.
I love thee to the depth and breadth and height
My soul can reach, when feeling out of sight
For the ends of Being and ideal Grace.
I love thee to the level of everyday's
Most quiet need, by sun and candle-light.
I love thee freely, as men strive for Right;
I love thee with the passion put to use
In my old griefs, and with my childhood's faith.
I love thee with a love I seemed to lose
With my lost saints,--I love thee with the breath,
Smiles, tears, of all my life!--and, if God choose,
I shall but love thee better after death.


Elizabeth Barett Browning, Sonnets from the Portuguese




The Taxi


When I go away from you
The world beats dead
Like a slackened drum.
I call out for you against the jutted stars
And shout into the ridges of the wind.
Streets coming fast,
One after the other,
Wedge you away from me,
And the lamps of the city prick my eyes
So that I can no longer see your face.
Why should I leave you,
To wound myself upon the sharp edges of the night?


Amy Lowell






Tu lhes dirás, meu amor, que nós não existimos.
Que nascemos da noite, das árvores, das nuvens.
Que viemos, amámos, pecámos e partimos
Como a água das chuvas.


Tu lhes dirás, meu amor, que ambos nos sorrimos
Do que dizem e pensam
E que a nossa aventura,
É no vento que passa que a ouvimos,
É no nosso silêncio que perdura.


Tu lhes dirás, meu amor, que nós não falaremos
E que enterrámos vivo o fogo que nos queima.
Tu lhes dirás, meu amor, se for preciso,
Que nos espreguiçaremos na fogueira.



José Carlos Ary dos Santos



    Edtaonisl 1913
    Francis Picabia




Salad Spinner


after Francis Picabia


You must grab time by the hair,
couple subconscious helixes
in the space of a secret.


You must tickle the improbable
and believe in the impossibility
of crossroads.


You must learn to suspend
ten grams of white, five grams of black
in hopes of true scarlet.


You must know how to fall from below
to favor the zenith
of mornings to the manner born.


You must love the four mouths
floating around the silky doubt
of dead assumptions.


Bill Berkson